quinta-feira, 8 de novembro de 2007

A vida tem umas coisas muito curiosas, umas coincidências bizarras, como esta que vou contar dentro do tema aqui recorrente.
Tivemos uma passagem por Itu, cidade vizinha da capital paulista, e onde uma casa com terreno grande nos permitiu adotar um pastor alemão displásico e com aparentes traumas emocionais, desconfiado e arredio por demais com a espécie humana.
Aos poucos minha ex-mulher foi quebrando as barreiras entre o cachorro e a nossa casa num condomínio fechado onde transitavam ele e sua companheira livremente e que, pela relação entre os dois e honesto carinho dele para com ela - chagava a pegar comida com a boca e levar para ela, que permanecia protegida na distância prøxima ao lago - foram apelidados de Romeu e Julieta, versão canina meio que abandonada e desprotegida dos suicidas aristocratas de Veneza.
Eles conseguiram a simpatia de todos e triste foi o dia que Julieta, tomada por uma bicheira enorme, espécie de tuberculose da vida boêmia e desregrada da liberdade animal, teve de se entocar numa casinha de cachorro do vizinho, que mandou-a para São Paulo para ser tratada por um veterinário que acabou adontando-a, com nome e tudo.
O solitário Romeu agora estava mais do que nunca perto de casa e minha ex-mulher continuava colocando comida para ele, cada vez mais próxima da casa e dela, que ia aproximando-se com perseverança até conseguir tirar a grossa coleira de couro que o apertava e deflagrava o prendedor de ferro arrebentado como se resquício de um fugitivo.
Provavelmente fugiram, ele e Julieta, de tanto apanher e serem mal tratados.
Mas agora era tudo passado, foi muito bem tratado pela familia, apesar de algumas brigar com o Truko, o meu jovem Golden Ritriever, comida farta, carinho, cuidados médicos, inicialme a domicilio e depois junto com o Truko no veterinário. O mesmo veterinário com quem falei hoje pelo telefone durante uma hora.
Quando resolvemos sair de Itu, tivemos de deixar os dois cachorros grandes no terreno gramado da fábrica de um amigo nosso, como os dois começaram a brigar muito e seriamente, peguei o Truko e levei para a fazenda de minha tia, onde seria adotado pelo caseiro, e o Romeu ficou reinando na fábrica, muito bem tratado por todos e pelo mesmo veterinário de sempre.
Mas infelizmente - e ai que reside a bizarra coincidência - tive de autorizar hoje a eutanasia do pobre Romeu, depois de duas semanas em que, conforme me relatou o veterinario, foi tentado de tudo para minimizar os danos de uma displasia severa e irrecuperável, que vinha gerando dor, feridas pelo corpo, devido a imobilidade, e falta de esperança em reaver a qualidade de vida perdida.
Demos um bálsamo de prazer para um animal tão machucado por dentro e por fora, que hoje se foi com algumas lágrimas minhas avolumadas pela minha amargura existencial que venho cultivando.
Por que coincidência?
Porque o período coincide perfeitamente. Ao mesmo tempo em que o Romeu padecia, meu amor tornava-se ódio, o que era vida tornava-se morte, tanto no pobre Romeu - símbolo de uma passagem importante - como no meu, sentimento transformado em
dor, dor que tomo a decisão todo dia de não deixar mais doer, como tomei a decisãode tirar sua dor do cachorro.
Morre Romeu como "mato" minha Julieta. "Mato" Romeu assim como morre meu sentimento por aquela que cuidou muito bem dele - do cachorro, não do sentimento. E a vida continua... Senti muita pena em não poder me despedir. Se o céu for aberto aos animais como a Arca foi, que Romeu encontre um pouco de paz e seja acarinhado calmamente pelos anjos.

Nenhum comentário: